Museu dos Transportes e Comunicações

Uma viola para contrabandear azeite

27 de maio, 2015
Viola de Contrabando | © António Chaves | Arquivo AMTC
Viola de Contrabando | © António Chaves | Arquivo AMTC
A curiosa viola que aqui se apresenta é testemunho engenhoso e criativo dessa atividade paralela e desenquadrada da legalidade aduaneira. Alia à configuração (na forma como na dimensão) do instrumento musical, a estrutura metálica da caixa, cordas artificiais e um orifício dissimulado na base, por onde se enchia do azeite que era contrabandeado entre Portugal e Espanha durante o período da II Guerra Mundial (1939 – 1945).
Após várias pressões, projetos e soluções de financiamento, a construção da Alfândega Nova do Porto arrancou em 1859, com base num projeto do engenheiro francês Jean F. G. Colson.

A nova estrutura, ou seja, o complexo relativo ao edifício, cais e espaços acessórios, apresentava-se como um microcosmos, um ponto de cruzamento de centenas ou milhares de pessoas, que se encontram no dia-a-dia , em tarefas, posições e estatutos muito distintos, conferindo ao sítio um movimento desusado.

Concentravam-se no novo espaço as mais importantes dimensões das funções de transporte relacionadas com o mercado externo que já eram apanágio do rio Douro, conferindo-se mais qualidade aos serviços afins.

Dizer alfândega suscita uma área vocabular alargada: direitos, pautas, despachos, armazéns, regime aduaneiro. Atos que se desenvolviam em torno de livros de registo que conferiam à Alfândega, à semelhança de outros serviços públicos, a autoria de um sem-número de volumes manuscritos e folhas avulsas, num centro consumidor de papel em doses elevadas. Essa papelada circulava no interior da organização e tinha uma componente de circulação externa, com as guias a acompanharem as mercadorias enquanto registo de legalidade das operações comerciais.

Os ambientes alfandegários eram, assim, pautados pelos papéis e suas circunstâncias de produção, multiplicando-se os espaços burocráticos, com as mesas de trabalho e depois as secretárias, as cadeiras respetivas e os armários e ficheiros dotados de alguma segurança e funcionalidade. De entre os vários serviços ganhavam relevo a Direção e a Tesouraria, lugares que personificavam o poder e a exação fiscal. De notar que a Tesouraria da Alfândega funcionou, durante séculos, como o cofre do Estado do Norte do País, dele se pagando diretamente muitos dos serviços públicos, em obediência às ordens vindas de Lisboa.

Ao nível funcional, naturalmente que o armazém era um local determinante, com as mercadorias a aguardarem o respetivo despacho, às vezes longos meses. O armazém era uma realidade plural, pois as salas tinham de obedecer a alguma especialização, uma vez que os produtos eram os mais diversos e muitos exigiam cuidados particulares e acondicionamento especial, como era o caso das matérias inflamáveis e perigosas, para as quais havia armazéns especiais.

O laboratório era o espaço de especialização científica da Alfândega, aí se procedendo a análises, essencialmente químicas, para examinar a composição das matérias e evitar as falsificações e contrabandos: alguns dos símbolos que restam remetem-nos para os primórdios da análise química, mas ao nível alfandegário a expressão laboratorial só começou a ter significado nos últimos anos do século XIX.

A sala dos despachantes era um espaço de forte relação com o público, dado que estes eram agentes que intermediavam as relações entre exportadores e importadores com os serviços alfandegários.
Apesar da complexidade e exigência da sua estrutura, a Alfândega não conseguiu, contudo, ao longo do tempo, fazer face a situações diversas de roubo de mercadorias e contrabando.

A curiosa viola que aqui se apresenta é testemunho engenhoso e criativo dessa atividade paralela e desenquadrada da legalidade aduaneira. Alia à configuração (na forma como na dimensão) do instrumento musical, a estrutura metálica da caixa, cordas artificiais e um orifício dissimulado na base, por onde se enchia do azeite que era contrabandeado entre Portugal e Espanha durante o período da II Guerra Mundial (1939 – 1945).

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“Viola” de contrabando
Alfândega do Porto. Nº de inventário D.2005.12.34

Em exposição no núcleo “Metamorfose de um Lugar: Museu das Alfândegas”, no Museu dos Transportes e Comunicações, Alfândega do Porto.

Este texto foi parcialmente retirado do livro ALVES, Jorge Fernandes – Metamorfoses de um Lugar: da Alfândega Nova a Museu dos Transportes e Comunicações. Porto: Associação para o Museu dos Transportes e Comunicações, 2006. ISBN 972-99632-1-5.

Artigo publicado no Jornal online “Porto 24”, em 17 de Abril de 2014
http://www.porto24.pt/memoria/uma-viola-na-alfandega-nova-porto/