Museu dos Transportes e Comunicações

Novela Aduaneira IV

7 de Outubro 1890

28 de setembro, 2017
Não perca mais um episódio na nossa novela Aduaneira! Boas leituras.
Cofre de madeira e ferro com três fechaduras - Alfândega de Lisboa - exposição “Metamorfose de um Lugar: Museu das Alfândegas”. © António Chaves. Arquivo MTC
Não perca mais um episódio na nossa novela Aduaneira!

Boas leituras.
Querido Joaquim Pedro,

Não tenho querido escrever-te sobre o pedido que motiva esta epístola. Trata-se «como sempre da Alfândega (assim diz Fradique) fonte perene das minhas amarguras…».

Mas tu conheces a história. São os meus caixotes! Se bem te lembras, havia um requerimento a entregar na Alfândega do Porto, pedindo livre passagem (com bagagem pessoal), para esses desventurados fardos.

O requerimento foi entregue ao Malheiro Dias. Este bom e austero amigo, depois de estudar a questão, deu sobre ele uma informação muito favorável. Munido dessa informação, o requerimento subiu ao Ministério da Fazenda… Mas aí encalhou! Não houve mais notícias dele. E agora, Malheiro Dias manda-me dizer que o único meio de apressar a solução deste caso é pedir directamente aos Ministro da Fazenda que dê sem demora um despacho – despacho que não pode deixar de ser favorável, em vista da favorável informação da Alfândega do Porto.

Mas quem é o Ministro da Fazenda? Ainda há Ministro da Fazenda? Ainda há Fazenda? Tu, que estás perto, se não dentro dos acontecimentos, poderás talvez responder a estas interrogações temerosas. E o que decerto poderás fazer é arranjar que o Ministro, ou a sombra do Ministro, ou o quer que seja que se ache à testa desse Ministério, dê o despacho, o simples despacho de expediente, a mera assinatura, a mera garatuja – que é necessária para que os meus caixotes venham! E tu não imaginas como eu necessito deles. É facto que vêm lá meia dúzia de talheres de prata, e quatro porcelanas, que não são essenciais para a minha existência mas vem lá também, nesses caixotes, querido Joaquim Pedro, todo o meu enxoval de Inverno, desde flanelas até paletós! E o frio começa a picar! Se eles tardam, eu terei de me fazer um enxoval inteiro de inverno (…)!

Apieda-te pois desta situação – e procura arrancar a essa Repartição, ou a esse Ministro, seja o Ministro passado, seja o Ministro futuro, o despacho bendito que me traga os meus agasalhos!

Largo e afectuoso abraço do teu do coração.


José Maria
(Eça de Queirós a Oliveira Martins)
Texto publicado na “Alfândega – Revista Aduaneira”, nº 10, 1986