Museu dos Transportes e Comunicações

Novela Aduaneira VII

Infância Aduaneira do Sobrinho da Titi

9 de outubro, 2018
Crachat em metal - Alfândega de Lisboa in Exposição “Metamorfose de um Lugar: Museu das Alfândegas” © António Chaves Arquivo MTC
Crachat em metal - Alfândega de Lisboa in Exposição “Metamorfose de um Lugar: Museu das Alfândegas” © António Chaves Arquivo MTC
“Meu avô foi o padre Rufino da Conceição, licenciado em Teologia, autor de uma devota «Vida de Santa Filomena» e prior da Amendoeirinha. Meu pai, afilhado de Nossa Senhora da Assunção, chamava-se Rufino da Assunção Raposo – e vivia em Évora com minha avó, Filomena Raposo, por alcunha «a Repolhuda», doceira na Rua do Lagar dos Dízimos. O papá tinha um emprego no Correio, e escrevia por gosto no «Farol do Alentejo».
Em 1853, um eclesiástico ilustre, D. Gaspar de Lorena, bispo de Chorazin (que é em Galileia), veio passar o S. João a Évora, a casa do cónego Pita, onde o papá muitas vezes à noite costumava ir tocar violão… Por cortesia para com os dois sacerdotes, o papá publicou no «Farol» uma crónica, laboriosamente respigada no Pecúlio de Pregadores, felicitando Évora «pela dita de abrigar em seus muros o insigne prelado D. Gaspar, lume fulgente da Igreja e preclaríssima torre de santidade». O bispo de Chorazin recortou este pedaço do «Farol», para o meter entre as folhas do seu Breviário; e tudo no papá lhe começou a agradar, até o asseio da sua roupa branca, até a graça chorosa com que ele cantava, acompanhando-se no violão, a xácara do conde Ordonho. Mas quando soube que este Rufino da Assunção, tão moreno e simpático, era o afilhado carnal do seu velho Rufino da Conceição, camarada de estudos no bom seminário de S. José e nas veredas teológicas da Universidade, a sua afeição pelo papá tornou-se extremosa. Antes de partir para Évora, deu-lhe um relógio de prata; e, por influência dele, o papá, depois de arrastar alguns meses a sua madraça pela Alfândega do Porto, como aspirante, foi nomeado, escandalosamente, director da Alfândega de Viana.

Eça de Queirós, in «A Relíquia» - excerto publicado na ALFÂNDEGA Revista Aduaneira nº 34 1994